Legislação Brasileira sobre Créditos de Carbono (Lei nº 15.042/2024)

A Lei nº 15.042, de 11 de dezembro de 2024, institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) e altera diversas leis relacionadas ao meio ambiente e à regulação do mercado de valores mobiliários [1]. Esta lei representa um marco importante para a regulamentação do mercado de carbono no Brasil, buscando impulsionar práticas ESG (Environmental, Social, and Governance) e criar novas oportunidades na transição para uma economia de baixo carbono [5].

O SBCE visa estabelecer um mercado regulado de carbono no país, onde empresas e países podem compensar suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) por meio da aquisição de créditos de carbono. A lei define o Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE) como um ativo fungível e transacionável, representativo da efetiva redução de emissões ou remoção de 1 tonelada de dióxido de carbono equivalente (tCO2e) [1].

É importante notar que a lei exclui a produção primária agropecuária, bens, benfeitorias e infraestrutura no interior de imóveis rurais a ela diretamente associados das atividades reguladas pelo SBCE, não as submetendo às obrigações impostas pelo sistema [1]. Além disso, as emissões indiretas decorrentes da produção de insumos ou matérias-primas agropecuárias também não serão consideradas para fins de imposição de obrigações [1].

Apesar da sanção da Lei nº 15.042/2024, a regulamentação e implementação do SBCE ainda estão em andamento, com a necessidade de atos específicos do órgão gestor para detalhar os termos de registro dos CRVEs e a conciliação periódica de obrigações [1, 4].

Reputação Trabalhista e Créditos de Carbono

A relação entre créditos de carbono e reputação trabalhista no Brasil tem sido marcada por controvérsias e denúncias de violações de direitos humanos. Casos de trabalho análogo à escravidão em áreas de projetos de créditos de carbono expõem as fragilidades do mercado, especialmente o voluntário, que carece de regulamentação e fiscalização adequadas [2, 3].

Um exemplo notório é o caso da Fazenda Sipasa, no Pará, onde 16 trabalhadores foram resgatados em condições análogas à escravidão em junho de 2023. Essa fazenda estava inserida no Projeto Maísa REDD+, que vendia créditos de carbono para grandes empresas como Audi, Uber, Nike, Ifood e Giorgio Armani, com o objetivo de manter a floresta em pé. Contudo, os trabalhadores resgatados estavam envolvidos no desmate de parte da área [2, 3].

Mesmo após a certificadora Verra inativar formalmente o Projeto Maísa REDD+ devido às revelações de trabalho escravo e desmatamento, empresas continuaram a comprar créditos de carbono do projeto até dezembro de 2023. Isso demonstra a dificuldade em responsabilizar os atores do mercado voluntário de carbono por abusos, dada a ausência de regulamentação e procedimentos claros para auditorias sociais [2].

As condições de trabalho encontradas na Fazenda Sipasa eram extremamente precárias, com alojamentos insalubres, falta de água encanada e ausência de privacidade. Os trabalhadores eram contratados para derrubar vegetação nativa, o que contradiz o propósito de um projeto de REDD+ [3].

Esses casos evidenciam a necessidade urgente de uma regulamentação mais rigorosa e de mecanismos de fiscalização eficazes para garantir que os projetos de créditos de carbono não contribuam para a violação de direitos trabalhistas e humanos. A ausência de transparência e a falta de responsabilização podem comprometer a integridade do mercado de carbono brasileiro e a reputação das empresas envolvidas.

Reforma Agrária e Créditos de Carbono

A interface entre a reforma agrária e os créditos de carbono no Brasil é um campo complexo e frequentemente marcado por conflitos fundiários e violações de direitos territoriais. A expansão do mercado de carbono, especialmente em áreas de floresta, tem gerado pressão sobre comunidades tradicionais e povos indígenas, muitas vezes sem a devida consulta e consentimento [6, 7, 8].

O Ministério Público Federal (MPF) tem atuado para suspender projetos de Redução de Emissões provenientes do Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) que incidem sobre territórios tradicionais no Amazonas. A principal razão para essa intervenção é a ausência de consulta prévia às comunidades afetadas, o que viola direitos garantidos por leis nacionais e internacionais [7].

Contratos de projetos REDD, que podem durar de 30 a 50 anos, impõem restrições ao uso da terra que afetam diretamente a rotina e a cultura desses povos. A prática da coivara, por exemplo, uma técnica agrícola tradicional e sustentável reconhecida como patrimônio cultural, é frequentemente criminalizada por esses projetos, que a veem como desmatamento. Isso demonstra como os contratos de carbono podem interferir nos modos de vida e saberes ancestrais das comunidades [7, 8].

Além disso, a falta de regulamentação clara e a insegurança jurídica no mercado de carbono abrem brechas para a grilagem de terras. Casos de falsificação de títulos e apropriação indevida de terras públicas para a geração de créditos de carbono têm sido denunciados, com indivíduos lucrando milhões com esquemas fraudulentos. Isso não apenas descredibiliza o mercado, mas também intensifica os conflitos fundiários e ameaça a posse da terra por comunidades tradicionais [7, 8].

Projetos de carbono também têm sido criticados por não remunerar adequadamente as comunidades que efetivamente preservam a floresta. Há relatos de promessas de benefícios não cumpridas e de comunidades sendo impedidas de realizar atividades essenciais para sua subsistência. Em alguns casos, as comunidades são envolvidas em projetos sem sequer compreender o que são os créditos de carbono ou como eles são comercializados [8].

Essa “nova corrida por terra e território” em nome do clima, como descrito por alguns pesquisadores, permite que corporações lucrem duplamente: compensando suas emissões e expandindo seu controle sobre vastas áreas, muitas vezes em detrimento dos direitos e modos de vida das populações locais [8].

Conclusão

A Lei nº 15.042/2024 representa um avanço na regulamentação do mercado de carbono no Brasil, mas os desafios persistem, especialmente no que tange às questões trabalhistas e fundiárias. Os casos de trabalho análogo à escravidão e os conflitos territoriais em projetos de créditos de carbono evidenciam a necessidade de uma regulamentação mais robusta e de mecanismos de fiscalização eficazes que garantam a proteção dos direitos humanos e territoriais das comunidades.

É fundamental que o desenvolvimento do mercado de carbono no Brasil ocorra de forma justa e inclusiva, assegurando a consulta prévia, livre e informada das comunidades tradicionais e povos indígenas, e que os benefícios gerados pelos projetos sejam distribuídos de forma equitativa. A transparência e a responsabilização de todos os atores envolvidos são cruciais para a construção de um mercado de carbono íntegro e que realmente contribua para a sustentabilidade ambiental e social.

Referências

  1. BRASIL. Lei nº 15.042, de 11 de dezembro de 2024. Institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/L15042.htm. Acesso em: 10 jul. 2025.
  2. DALLABRIDA, Poliana; HARARI, Isabel; CAMPOS, André. Caso de trabalho escravo expõe fragilidades de mercado de carbono. Repórter Brasil, 22 fev. 2024. Disponível em: https://reporterbrasil.org.br/2024/02/caso-de-trabalho-escravo-expoe-fragilidades-do- mercado-de-creditos-de-carbono/. Acesso em: 10 jul. 2025.
  3. HARARI, Isabel; DALLABRIDA, Poliana; HOFMEISTER, Naira. Uber e Audi usaram créditos de carbono de área com trabalho escravo. Repórter Brasil, 19 fev. 2024. Disponível em: https://reporterbrasil.org.br/2024/02/uber-audi-creditos-de-carbono-trabalho-escravo/. Acesso em: 12 jul. 2025.
  4. BRASIL. Ministério da Fazenda. Sancionada a lei que estabelece as bases para um mercado regulado de carbono no Brasil. Gov.br, 12 dez. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2024/dezembro/Sancionada-a-lei- que-estabelece-as-bases-para-um-mercado-regulado-de-carbono-no-Brasil. Acesso em: 12 jul. 2025.
  5. WTW. Lei 15.042/2024 e o mercado de carbono. WTW, 6 maio 2025. Disponível em: https://www.wtwco.com/pt-br/insights/2025/05/lei-15-042-2024-e-o-mercado-de-carbono- oportunidades-esg-e-o-futuro-da-sustentabilidade-corporativa. Acesso em: 13 jul. 2025.
  6. SBPCnet. Créditos de Carbono: mercado já pressiona comunidades tradicionais. SBPCnet, 15 jul. 2024. Disponível em: https://portal.sbpcnet.org.br/noticias/creditos-de- carbono-mercado-ja-pressiona-comunidades-tradicionais/. Acesso em: 13 jul. 2025.
  7. BATAER, Carolina. Impacto em comunidades tradicionais leva MPF a pedir suspensão de projetos de créditos de carbono no Amazonas. Brasil de Fato, 9 set. 2024. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2024/09/09/impacto-em-comunidades-tradicionais-leva- mpf-a-pedir-suspensao-de-projetos-de-creditos-de-carbono-no-amazonas/. Acesso em: 14 jul. 2025.
  8. ROSALUX. Projetos de venda de créditos de carbono acirram conflitos fundiários. Fundação Rosa Luxemburgo, 18 mar. 2024. Disponível em: https://rosalux.org.br/projetos- de-venda-de-creditos-de-carbono-acirram-conflitos-fundiarios/. Acesso em: 14 jul. 2025.
  9. SILVA, Carlos Henrique. Relatório revela os danos dos projetos de crédito de carbono aos modos de vida dos territórios e comunidades da floresta. Comissão Pastoral da Terra – CPT, 14 mar. 2024. Disponível em: https://cptnacional.org.br/2024/03/14/relatorio-revela-os- danos-dos-projetos-de-credito-de-carbono-aos-modos-de-vida-dos-territorios-e- comunidades-da-floresta/. Acesso em: 14 jul. 2025.

10. BELOTTO, Ana; CHAGAS, Claudia; SERRA, Guilherme; NAKANE, Marilda. Créditos de carbono no Brasil: o risco oculto da fraude. Eixos, 30 abr. 2025. Disponível em: https://eixos.com.br/combustiveis-e-bioenergia/biocombustiveis/creditos-de-carbono-no-brasil-o-risco-oculto-da-fraude/. Acesso em: 14 jul. 2025.