Kathlyn Miranda
Os contratos de transporte marítimo estipulam um prazo de livre estadia ou free time para que o respectivo player adote as providências necessárias para o desembaraço aduaneiro da carga, remoção do contêiner do porto, desova e, por fim, a devolução da unidade de contêiner vazia no local indicado pelo armador, em regra, no terminal de contêineres vazios, conhecido como DEPOT.
Assim, quando excedido o free time, ocorre a sobreestadia ou a demurrage do container, incidindo a cobrança de valores por cada dia de atraso na devolução do equipamento.
À propósito, insta dizer que estes valores poderão estar previamente fixados em contrato e tabela pública emitida pelo transportador marítimo, ou ainda, poderão ser estabelecidos judicialmente em caso de demandas ajuizadas pelo armador.
Ademais, imperioso destacar que nas demandas judiciais para a cobrança de demurrage de contêiner, surgiu um debate acerca da sua natureza jurídica, sendo defendido por uma corrente a natureza indenizatória e por outra, a natureza jurídica como sendo de cláusula penal.
Explica-se que a discussão se deu pelo fato de que na tese de natureza jurídica de cláusula penal, os valores estariam limitados ao valor da obrigação principal, em razão da sua natureza de verba acessória. Por outro lado, a tese da natureza jurídica indenizatória defende que não há um teto fixado, ou seja, é possível que os valores sejam negociados livremente entre as partes.
Com isto, o Superior Tribunal de Justiça consolidou a natureza jurídica da demurrage como indenizatória, ou seja, a cobrança da demurrage é utilizada como forma de reparo dos danos causados pelo atraso na devolução do contêiner ao seu proprietário.
Ocorre que, ao ser declarada a natureza jurídica da demurrage como indenizatória, as demandas são ajuizadas com valores significativos e, em diversas ocasiões, o atraso da devolução da unidade de contêiner ao armador decorre da parametrização da mercadoria no temido canal vermelho.
Como muitos sabem, quando a Receita Federal direciona a carga para o canal vermelho, significa que o desembaraço aduaneiro ocorrerá somente após conferência documental e física da carga, ou seja, a unidade de contêiner e a carga ficam retidas junto ao canal vermelho pela Receita Federal, para cumprimento de exigências fiscais.
Porém, nestas situações, o processo de conferência poderá demorar muito, extrapolando o free time estabelecido no contrato de transporte marítimo e, logicamente, o armador iniciará seus procedimentos de cobrança em face do importador por demurrage de contêiner.
Frente ao exposto, observa-se que o armador direcionará sua cobrança em face de parte diversa daquela que efetivamente deu causa à demora na devolução do container e, ainda, na ausência de adimplemento amigável, ajuizará ação de cobrança pela demurrage de contêiner, cujo valor da causa poderá ser elevado, onerando excessivamente o importador.
Em análise da jurisprudência, nota-se que basta a simples demonstração da mora na devolução do contêiner para que a responsabilidade de pagamento recaia sobre o importador, ainda que a causa efetiva da mora seja oriunda de entraves burocráticos ocasionados pelo próprio poder público.
Portanto, diante da posição fragilizada do importador, além do monitoramento minucioso da movimentação da carga= quando esta se encontra parametrizada no canal vermelho, o adequado é solicitar o suporte jurídico para que seja apresentada a medida cabível, administrativa ou judicial, para que o free time seja suspenso e, por consequência, afastada a incidência de multa por demurrage de contêiner.