Recentemente, houve a publicação de um decreto presidencial e três medidas provisórias (MP). O governo buscou solução imediatista para a greve, sem pensar nos reflexos econômicos dos seus atos. O decreto presidencial concede subsídio para o preço do diesel em R$ 0,46/litro por 60 dias, podendo ter reajustes mensais. A primeira MP (831) estabelece que 30% da demanda da CONAB será direcionada para os caminhoneiros autônomos, com dispensa de licitação. A segunda MP (832)impõe obrigatoriamente uma tabela de preços mínimos para diversos tipos de fretes rodoviários sobre o transporte de carga. A terceira MP (833), por fim, obriga a isenção da cobrança do pedágio para o caminhão vazio (eixo suspenso).

Inicialmente, pode-se notar que o tabelamento, em particular, implica considerar o setor produtivo do agronegócio e da indústria como sendo menos importante do que o grupo dos caminhoneiros, uma vez que a livre negociação sobre o preço do frete entre eles passou a ser proibida e a Tabela favorece o caminhoneiro.

Assim, a partir de agora, ditos preços serão controlados a cada seis meses pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), sendo a próxima revisão em 20/01//2019, já com o novo Presidente da República. A consequência imediata é a perda da já combalida competitividade do setor produtivo que utiliza deste modal, uma vez que seu custo logístico será majorado. Além disso, estes preços maiores podem afetar a inflação e o preço de outros meios de transporte substitutos (como o ferroviário).

De forma semelhante e corriqueira estes acertos eram feitos nos anos 80 de Sarney, época do CIP (Conselho Interministerial de Preços), quando governo e empresários fixavam preços conjuntamente no Ministério da Fazenda; no entanto, após quase 30 anos de aprendizado, o governo Temer optou por replicar ditas políticas arcaicas e equivocadas, cujos resultados são conhecidos e esperados.

 

O PAPEL DO CADE

Conquanto o Cade exista desde 1962, dito Conselho só passou a atuar da forma como se conhece hoje a partir dos anos 90, com a abertura comercial, com o fim do CIP, com criação da SEAE e com a promulgação da primeira lei da concorrência (lei 8.884) em 1994, substituída posteriormente pela lei 12.529 em 2011. Passados 25 anos de contínuo aprendizado, o Cade, dentre outras coisas, passou a condenar, na maioria das vezes, estabelecimento de quotas e tabelamento de preços obrigatórios, por entender que se tratava de condutas anticompetitivas, semelhantes a um cartel, que diminui o bem-estar do consumidor, ainda que beneficie um determinado grupo.

Não se pode, assim, aniquilar com uma política exitosa de uma autarquia que tem acertado mais do que errado e que vem promovendo uma arrecadação para o Tesouro muito maior do que é o seu custo. Seria um deslize institucional e abriria um precedente perigoso. O que fazer com as condenações de tabelas de preços já ocorridas no Tribunal? Indubitavelmente trará insegurança jurídica para as ações do Cade e um avalanche de judicializações. Desta forma, é pertinente o governo rever o que foi feito.

Cabe ao Cade, por sua vez, investigar e propor medidas estruturais, através da advocacia da concorrência. Neste sentido, as duas ações foram tomadas: já existe uma investigação em curso na área técnica do Cade sobre eventual locaute e foi apresentado um excelente trabalho sobre o setor, que vinha sendo elaborado há algum tempo pelo SBDC (Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência), coordenado pelo Departamento Econômico do Cade. Neste estudo, ainda que devesse ser aperfeiçoado dialogando com agentes do setor (especialmente para compreender as questões fiscais e parafiscais que podem alterar os resultados esperados), foram propostas nove contribuições relevantes, com o intuito de aumentar a concorrência na distribuição e revenda dos derivados de petróleo de forma sustentável e não populista, a saber:

(1)     Permitir que produtores de álcool vendam diretamente aos postosHoje, os produtores de etanol não podem vender o produto diretamente aos postos por causa de uma restrição a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Para o Cade, essa proibição impede o livre comércio e dificulta a concorrência que poderia existir entre produto de etanol e distribuidor de combustível.

 

(2)     Permitir que distribuidora de gasolina ou refinaria tenha posto de gasolina

No Brasil é proibido que um posto de gasolina pertença a uma distribuidora de gasolina ou a uma refinaria. O Cade propôs repensar essa proibição, pois estudos demonstram que o preço do combustível aumenta quando se proíbe essa verticalização.

 

(3)     Permitir que distribuidoras importem combustíveis

Segundo o Cade, essa medida reduzirá os custos de transação e as margens e remuneração do intermediário (importador) e estimulará o aumento no número de agentes no fornecimento de combustível.

 

(4)     Informar o nome do revendedor de combustível; quantos postos ele possui; e suas outras marcas.

Para o Cade, sem informação os consumidores não sabem quais postos concorrem entre si. Aponta que um mesmo empresário tem postos de bandeiras diferentes e podem dar a impressão errada de que diferentes marcas combinaram preços.

 

(5)     Aumentar a quantidade de informação sobre a comercialização de combustíveis

O Cade aponta que ampliar os dados relacionados à comercialização de combustíveis aos quais a ANP e o Cade tem acesso permitirá a identificação mais ágil de indícios de condutas anticompetitivas, como cartel.

 

(6)     Repensar a substituição tributária do ICMS

Hoje o ICMS é cobrado na origem e para isso é elaborada uma tabela que estima o preço de revenda. Essa prática, segundo o Cade, pode levar à uniformização dos preços e prejudica o empresário que opta por preços mais baixos.

 

(7)     Mudar a forma de cobrança de imposto do combustível

Atualmente o imposto é cobrado por meio de um valor fixo por litro de combustível, explicou o Cade. Isso provoca uma distorção para quem vende a gasolina mais barata, já que ele estará pagando, proporcionalmente, mais imposto. Isso, segundo o Cade, incentiva a venda com preços mais altos.

 

(8)     Permitir postos com autosserviços

Permitir que o consumidor abasteça o próprio carro permite uma redução de encargos trabalhistas, o que pode reduzir o preço final ao consumidor.

 

(9)     Repensar as normas sobre o uso do espaço urbano

Para o Cade, leis que proíbem postos de gasolina em hipermercados, por exemplo, diminuem a rivalidade e acabam aumentando o preço dos combustíveis.

 

INCONSTITUCIONALIDADE DA MP 832 – APLICAÇÃO DE MULTAS?

Para além do custo que as novas medidas impostas pelo governo podem trazer ao Cade, à sociedade e ao judiciário, e da provável queda de bem-estar da população no futuro (para proteger um determinado grupo), é relevante destacar que a MP (832), a qual trata da tabela fixa de preços mínimos de frete rodoviário, não merece prosperar sequer mais um dia, diante da flagrante inconstitucionalidade.

A fixação de preço por parte do governo é uma afronta ao artigo 36 da lei da concorrência (Lei 12.529/18) e ao artigo 170 da Constituição Federal, pois impede a livre negociação entre as partes.

Não se pode  obrigar um grupo a seguir determinados preços.

Veja-se parte do artigo 36 da Lei 12.529/11 e o artigo 170 da CF:

Art. 36.  Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

 

I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

 

  • 3o As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:

 

I – acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma:

a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente;

d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública;

 

II – promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

 

IV –  livre concorrência;

V –  defesa do consumidor;

 Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei

 

Em suma, conquanto o atual governo esteja sofrendo consequências de políticas econômicas populistas de governos anteriores, ter cedido à demanda de um grupo específico revela quão frágil ele está, não logrando aprovar mais reformas relevantes (como a da previdenciária).

Outro grande problema refere-se às multas. Isto porque, se forem aplicadas multas, e posteriormente a medida for julgada inconstitucional (e, no que depender de nós, o será!), as transportadoras terão direito à restituição de tais valores atualizados e com juros.

Aliás, em caso de multa, a linha de defesa deve seguir justamente a arguição de inconstitucionalidade e incompetência da ANTT para fixação de preços.

Ficamos à disposição.